Monday, May 19, 2008

Meu bisavô "paraibano".


Minha família materna é carioca e de Saquarema.

Meu avô Romeo, é descendente de italianos. De fato, na língua italiana, aquele "o", no fim, tem som de "u", como se fosse "Romeu" mesmo, assim como "Paola" se lê, em italiano, Paula.

Minha avó materna, da família Sant´Anna é filha de pai índio e de mãe espanhola. Desde garoto, quando pela primeira vez minha vó disse-me ser filha de índio, aquilo me maravilhava. Me enchia de orgulho. Lembro-me da minha tia Marta que fez um quadro com uma índia linda e imagens de cachoeiras. Não sei se esse quadro está preservado em algum lugar lá de casa, em Brasília. Emocinaria-me descobrir que sim. Na verdade, acho que foi minha vó e minha tia quem fizeram aquele quadro juntos. Sempre gostei de índios. Adorava saber que eles estavam em algum cantinho nas "origens" (o gero em Latim, que dá origem ao verbo "gerar" em Português, e aos substantivos genes e genético) da família, isto é a gens latina...

Gens una Sumus (dizia-se, em Latim: "Somos uma família")

Depois, mais crescidinho, fui tomando consciência de que havia várias diferentes tribos e grupos indígenas no Brasil, das mais diferentes línguas. A imagem do meu bisavô ia se perdendo no meio de tanta variedade. "Céus... Quantas tribos não deveriam ter existido nesse Brasil?"

Estima-se que havia por aqui, cerca de 11 ou 12 milhões de indígenas, vivendo principalmente na costa das praias futuro-brasileiras (além, por exemplo, da amazônia). Hoje esse número de índios caiu, nesses cinco séculos de história, para apenas cerca de 400 mil, ou seja, menos de meio milhão. Como diria o professor Pasta, isso tem um nome: genocídio. Assim: puro e simples. (lá está: genos... o verbo gero novamente...)

Na década de 70, alguns especialistas chegaram a duvidar de que no ano 2000 ainda haveriam índios existentes. Mérito ou não do governo brasileiro ou dos movimentos sociais pela causa indígena o número de índios que, até então, apenas caía, experimentou uma ligeira subida.

O debate, no entanto, não é simples. Há grupos indígenas que optaram (ou puderam...) por manterem-se isolados: mantendo totalmente sua cultura e língua. Porém, ainda hoje existem cristãos sem nenhum preparo antropológico ou científico, que se aproximam dessas aldeias com intuito de "salvar suas pobres almas", isto é, catequisa-los: destruir-lhes o pouco de cultura ainda deles existentes. Outras tribos, já, não apenas perderam totalmente suas origens, cultura e idiomas, como na verdade, vivem hoje na periferia, por exemplo, de São Paulo, em condições precárias e de pobreza.

Quando os karaybas (palavra tupi para europeu, homem branco) chegaram naquelas terras que mais tarde teria o nome de uma valiosa mercadoria: Brasil, encontraram na costa, na praia, índios tupiniquins, grupo indígena numeroso e bastante espalhado: desde o Espírito Santo até a Bahia, falantes da língua Tupi, a primeira língua escutada pelo pessoal de Pedro Álvares Cabral e Pero Vaz de Caminha, ao desembarcarem na Bahia.

Os índios potiguaras eram também índios tupis, falantes do Tupi. Localizam-se há séculos no literal paraibano. São dos índios potiguaras que se conservam raríssimas cartas escritas do punho dos próprios índios, em língua Tupi. Os índios potiguaras fizeram amizade com os holandeses quando estes estiveram no nordeste do Brasil, desembarcando aqui no ano de 1625, num lugar chamado Baía da Traição, e levando índios para a Holanda. Expulsos pelos portugueses, os holandeses retornaram em 1630, fazendo alianças com vários índios potiguaras. Um dos índios potiguaras que esteve na Holanda, Pedro Poti, quando retornou ao Brasil, em 1630, foi capturado pelos portugueses e foi cruelmente assassinado. Em 1654, os holandeses foram definitivamente expulsos. As guerras entre holandeses e portugueses foram, na verdade, guerras mistas dos diferentes grupos indígenas, além da rivalidade Holanda -Portugal. Quem se lembra das aulas de História, depois sabe: a Holanda, mais tarde, acabaria, no final das contas, conseguindo retirar os verdaderos lucros do Ciclo do Açúcar no Brasil.

Além dos tupiniquins e dos potiguaras, havia também os tupinambás ocupando territórios da atual Bahia, Maranhão e Rio de Janeiro. Há muitos detalhes de confrontos entre os Tupinambás e os portugueses, alianças com franceses, etc. Mas irei omiti-los todos. Há também muitos e muitos outros grupos indígenas, falantes ou não do Tupi. O Tupi foi, sem dúvida, a língua mais falada no Brasil, antes e depois daquilo que chamamos de "descobrimento". Foi a língua mais falada até 1750, quando foi proibida pelo Marquês de Pombal, que via nisso, uma ameaça à Língua Portuguesa. Hoje resta-nos nomes de lugares como Curitiba, Taubaté, etc. etc. etc. e nomes como Pipoca, mingau, Jacaré, soco, peteca, piranha, capoeira e muitos e muitos outros que, ao invés de desaparecer, não puderam deixar de se mesclarem à Língua Portuguesa brasileira. A maioria dessas palavras não existem em Portugal e nem nos países africanos de língua portuguesa: Angola, Bissau, Moçambique, etc.

Voltando a falar dos índios potiguaras, em número muito menor, eles ainda continuam na Paraíba (outro nome de lugar, que é Tupi), mas devido ao intenso contato, ao longo de tantos séculos, com a cultura européia, perderam o Tupi, que acabou morrendo como língua entre eles. Usam celulares, carros e possuem outros hábitos já urbanos...

Semana passada, falei com minha avó ao telefone. Depois de ter estudado o assunto, achei que com as informações que ela me passasse, eu seria finalmente capaz de identificar, por minha própria conta, a origem indígena de seu pai, meu bisavô.

- Vó, a senhora se lembra de que tribo era o seu pai?
- Aaaahh... Meu pai era índio, mas era urbanizado e era oficial da marinha.
- Sim, eu lembro que a senhora me disse. Mas me diga, qual língua indígena ele falava? De onde ele era?
- Fala o Tupi-guarani. E era índio da Paraíba (isto é, falava o Tupi, única possibilidade para aquela região no tronco linguístico do Tupi-Guarani). Inclusive a aldeia dele existe até hoje.
- Vó... Será que ele era um índio Potiguara?
- Não sei, querido. Minha irmã Walquíria é que saberia dizer melhor, ela inclusive visitou a tal aldeia quando lá esteve para fazer algumas pesquisas.

Com esses dados então, podemos concluir que meu bisavô foi, muito provavelmente, um índio Potiguara: a tribo ainda existe na Paraíba e era falante do Tupi. Não há hipóteses alternativas a respeito.

Tuesday, May 13, 2008

A Descoberta do Tupi e de José de Anchieta


Esse semestre eu descobri o Tupi com o professor Eduardo Navarro. Matriculei-me no curso de curioso e acho que terminei apaixonado pelo estudo da Língua. O curso é, também (frisa-se o também) uma verdadeira aula de Brasil Colonial. Assustou-me descobrir a importância do Pe. José de Anchieta no Brasil do século XVI. Bem, como a importância de sua gramática.

Pelos índios, Anchieta era chamado de "Nhe´enga Îara".

Em Tupi, "nhe´eng" é o verbo "falar" e "nhe´enga" o substantivo "idioma". Îara pode ser traduzido como "mestre" ou "senhor", por exemplo:

Iesus Îara = Senhor Jesus, em Tupi.

"Nhe´enga Îara", então, é "aquele que domina o idioma", o "mestre do idioma".



Um epíteto bastante curioso para quem não era nativo entre os índios.

Várias são as palavras Tupi que usamos ainda hoje em nosso dia-a-dia no Brasil: Butantã, soco, peteca, cutucar, Jacaré, Curitiba, Ibirapuera, etc.

No caso do verbo "nhe´eng" (falar), ele está presente em forças expressivas tais como "Pára com esse nhenhenhém..." (isto é, para com esse falatório, choradeira, etc.)

Anchieta era professor de Latim e tinha 19 anos quando chegou ao Brasil, que ainda estava iniciando seu processo de Colonização. Era um homem muito culto e de sólida formação renascentista.

À medida que fui compreendendo a importância do Tupi na formação espiritual e línguística da cultura brasileira, mais fui compreendendo a importância do trabalho de escritores como José de Alencar e Mário de Andrade, dentre outros artistas (por exemplo, os da semana de Arte Moderna de 1922) no esforço do resgate das culturas indígenas em geral e do Tupi em particular.