Tuesday, June 10, 2008

Antunes Filho e Nelson Rodrigues.

Nesse fim de semana fui conferir a montagem que Antunes Filho fez de "Senhoras dos Afogados". Gostei muito do coro, mas achei que a peça sofreu com certa simplificação. Claro, preciso de muita humildade para dizer isso, já que Antunes Filho é um monstro sagrado do teatro brasileiro e eu sou apenas um curioso recente, enquanto a experiência dele com teatro deve ser umas duas vezes superior à minha própria idade.

Mas acho que tenho o direito de dizer que havia na peça coisas que não me agradaram. Várias falas do texto original do Nelson que eu gostaria de ver encenadas foram cortadas. Por exemplo, a maravilhosa fala do coro "Agora vamos tirar os rostos e colocar as máscaras". Fico a me indagar se a extensão de certos diálogos de carga emotiva e psicológica entre Dona Eduarda e Misael fossem matindas, a carga trágica da peça não teria sido preservada mais fidelizada. A conseqüência de tais cortes foi um demasiado aumento do ritmo da peça, alívio de sua carga trágica e ênfase no cômico ou no "dramalhão" como o próprio Antunes dissera à Imprensa. Esse cômico e esse dramalhão não me agradaram.

Talvez eu deva me render ao que me dissera o assistente de direção de Antunes, durante o debate com o público, após a peça: que o ser humano não é simplório, mas ambígüo e que isso justificaria a postura característica de Antunes de trabalhar a ambigüidade das peças que monta e das personagens da mesma. Além do que, dissera ainda o assistente, o texto do Nelson, ele próprio, também se caracterizaria por tais ambigüidades. Nelson é irônico nas tensões de seus personagens. Aqui devo assumir minha ignorância explicitamente: acho que não havia ainda prestado a devida atenção aos textos a esse aspecto. Espero poder fazer isso melhorando gradualmente daqui para frente.

Houve também rupturas relativas ao texto original que achei desnecessárias: havia velocidade onde as rubricas de Nelson pediam o oposto, como em "Moema desce lentamente" quando esta irá chamar sua mãe de prostituta e, infelizmente, um dos momentos potencialmente mais altos e tensos da peça, que pedia lentidão e suspensão, foi assim banalizada, o diálogo se passou na mesma velocidade com que balconistas atendem clientes em padarias cotidianamente. Também não estava prevista no texto de Nelson que Misael risse ao ver o defunto do apunhalado. A cena não deveria existir e o ato deveria encerrar com as lágrimas da amante e não com aquela cena que simplesmente tivera um dos efeitos mais cômicos da peça, de uma forma absolutamente desnecessária.

Portanto, aqui eu não posso aceitar o argumento do assistente de Antunes de que o cômico da peça era intrínseco ao texto de Nelson. Não. Pareceu-me que o cômico fora mesmo cativado e favorecido pelo andamento da peça. Obviamente eu não tenho um milésimo da experiência de teatro desses senhores, mas escrevo mesmo na esperança de que possa mais tarde aprender com meus erros, pois espero francamente que esteja pecando em meu juízo relativo à peça e prefiro isso do que fingir compactuar com a simples autoridade do nome de Antunes.

Surpreendeu-me o comentário do Assistente de que Antunes teve medo de não saber montar a peça e que ele passara muitos anos montando as tragédias gregas (Medéia, Antígone, etc.) a fim de poder aperfeiçoar e estudar os coros de tais peças. De fato, os vizinhos na peça de Nelson são realmente como os coros das peças gregas. Achei interessante a musicalidade e a voz maravilhosa que Antunes trouxe para as prostitutas. Adorei as prostituas e suas vozes e cantos sensuais, como eu somente havia visto na personagem oriental do filme Pulp Fiction de Quentin Tarantino. Voz maravilhosa, doce e irritantemente sensual. Um exagero, tal como se espera das boas prostituas, afinal... As prostitutas, assim como as noivas, símbolos vitais do imaginário rodrigueano e maravilhosamente encarnadas em Antunes. E os cabelos? Como pode o velho Antunes saber como eu sempre fantasiei os cabelos das mulheres? Chumassos de nuvens desfiadas, caóticas e volumosos até dizer chega. Como ele conseguiu fazer aqueles cabelos naquelas atrizes (de tão belos corpos)? Teria sido erótico, se não fosse lindo e absolutamente estético antes de mais nada.

A beleza com que o coro dos vizinhos (formado por homens) também cantou, embora não demoradamente, por si só, também já valeria a peça. Vozes unidas, como uma voz perfeitamente única e de uma sonoridade tão mágica aos ouvidos como eu jamais havia visto. Como ele conseguiu aquilo?

Acho que também não preciso comentar a técnica dos atores, obviamente surpreendente.

Thursday, June 05, 2008

descobrindo Nelson Rodrigues...


Corta bruscamente o desespero. Ergue-se e grita para a filha:

- Deus fez tua vontade! Traí meu marido!

A filha imóvel. A mãe num grito ainda maior:

- Desce e vem chamar tua mãe de prostituta!

Silêncio. A filha desce, lentamente. Mãe e filha, face a face.
A Filha:

- Prostituta!

A filha passa adiante. A mãe cai de joelhos; chora sobre o corpo do amante.

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O mapa astrológico da figura acima, pertence ao autor dessas linhas, para uma peça de Teatro, célebre de sua carreira, um dos maiores gênios da dramaturgia brasileira, pertence a Nelson Rodrigues, nascido no Recife, a 23 de agosto de 1912. O horário de nascimento é desconhecido.

Chama a atenção a quadratura de Saturno à conjunção Sol-Mercúrio, ao qual nos faz lembrar o gosto que Nelson tinha por um teatro sério e trágico. Os defuntos também estão sempre presentes nas peças.

Já mal me lembro quando fiquei curioso pela obra de Nelson. O primeiro contato veio atavés da TV Globo no quadro "A Vida como ela é...". Bom quadro. Lembro de que gostava. É provável que depois os professores da Faculdade de Letras da USP tenham me influenciado, penso no Prof. Ariovaldo nesse caso. Depois que comprei o livro de contos, "A Vida como ela é...". Devorei-o. O Márcio, que morava comigo no CRUSP, naquele ano, compartilhou comigo algumas leituras.

Mas quando li, agora nesse mês, o texto da peça "Toda Nudez será Castigada" veio a paixão definitiva. Agora estou terminando de ler "Senhora dos Afogados". Gênio! O homem é verdadeiramente um gênio, uma sensibilidade, uma ponta afiada, daquelas que se apóiam sobre quinas e balançam sem cair.


Fora de si:

- E por que não a castigas nas mãos? (num crescendo) As mãos são mais culpadas no amor... Pecam mais... Acariciam... O seio é passivo; a boca apenas se deixa beijar... O ventre apenas se abandona... Mas as mãos, não... São quentes e macias... E rápidas... E sensíveis... Correm o corpo...


Um bisturi da alma humana, tal qual Freud ou "o grande mestre da Psicanálise", como declarou Yudith Rosenbaun, em sua palestra Psicanálise e Lietartura , quando a ela perguntei sobre Nelson.

Sobre ele, Maína, uma amiga minha, definiu-o "Um louco que, em sua loucura, é capaz de apontar nossas loucuras próprias". Certo público contemporâneo de Nelson não tardou em rotulá-lo de neurótico. Como resposta, Nelson diria que "só um neurótico conhece a Deus" e que os jovens não deveriam se envergonhar de serem neuróticos.

Certa vez perguntaram a Nelson, sobre a sua polêmica afirmação de que "as mulheres gostam de apanhar":

- E as mulheres? Elas realmente gostam de apanhar?

Ao que Nelson respondeu:

- Só as normais. As neuróticas reagem...

Resposta enigmática, nova pergunta. Incisiva:

- E o senhor bate em sua esposa?

Pergunta provocativa. Nelson respondeu de pronto:

- Ora, mas eu nunca disse que os homens gostam de bater!