Tuesday, November 25, 2008

Discutindo a Relação (em Abstrato!)



Há uma palavra da Língua Portuguesa que me assombra. Quando a procuramos no dicionário, sentimos que o pobre pai dos burros simplesmente não deu conta. E de certa forma, prefiro a letra de Renato Russo, quando canta:


Quem inventou o Amor, explica por favor...


O dicionário, em uma de suas acepções, chega a quase identificar amor e sexo. Noutra acepção fala de "afeto", palavra que vale lembrar vem de "afetar" e diz respeito, por isso mesmo, àquele que é "afetado", remetendo-nos à idéia de "passividade" (o afetado sofre a ação), o que acabará por nos levar à palavra "paixão" e à "passional".

Ah, finalmente caímos na grande questão da confusão que há entre amor e paixão. Praticamente nós não sabemos amar sem a paixão. Para verificar isso, basta descrever o amor sem a paixão a uma moça. E depois observar seu comportamento. Sim, já fiz isso várias vezes e os comportamentos geralmente são esses: pânico; necessidade revoltada de contestação (se a moça tiver o espírito habituado à liberdade ou for intelectualmente mais agitada); negação absoluta do que ouviu; olhar distante, perdido e desiludido...(essas são as mais doces!) e a reação mais extrema de todas: abandona você sozinho à mesa e vai embora.

Eis a grande raiz do problema: alguma coisa ensinou às pessoas que o amor é algo extraordinário, abissal, a fonte da Felicidade, a realização da vida, o fantástico... Enfim, chega até a lista me cansa de escrever. Pára! Acho que a paixão é uma das formas de amar. Certamente não é mais madura. Embora seja uma das mais belas e mais comoventes, sendo também a mais desumana: tanto no sentido da idealização, como no sentido do escapismo do mundo dos homens e fuga da vida e da realidade, como também no sentido de que pode levar a conseqüências concretamente desumanas (assassinato, suicídios, etc.) Na Astrologia, Netuno é um planeta que descreve bem o fenômeno. Trata-se de um sentimento insuportável e que nunca caberá no ser humano.

A postagem que fiz aqui (se não me engano, em 2005), entitulada "Morre-se Amor", para mim constituiu interessante estudo. Ajudou-me (dentre outros...) a sendimentar a sensação que eu já tinha de que o postulado do Senso Comum de que "se não for bom, não é amor" é o mais infantil dos equivocos. Primeiro porque esta concepção é o retrato traçado do Bem contra o Mal. Bem aquela coisa do He-Man contra o Esqueleto. E claro... O Amor está no time do He-Man. Daí a dificuldade de tais pessoas em entenderem como o Amor pode provocar a Guerra, ou ainda: como que a mãe mais amorosa do mundo pode simplesmente estragar seus filhos.

Na verdade, a própria imagem do He-Man é a própria imagem ideológica da guerra: nós somos os gostosos, maravilhosos, democratas e eslarecidos e eles são os fanáticos (nós não!), os atrasados, os de religião estranha e ignorantes terroristas alucinados. Precisamos destrui-los (sim, estou considerando que somos quintal dos EUA)

E existem duas coisas que andam juntas: essa visão dicotômica do mundo em bem - mal (ou ainda amor - mal) e o vício de nos colocarmos num pólo e o resto do mundo no outro pólo (sim, aquela coisa bem geocêntrica do Sol girando em torno da Terra). Quem nunca viu aquela cena da menina que terminou com o namorado? "Aquele cretino, aquele cachorro..." sempre o ex irá transportar toda a coleção de pecados do mundo. E nesse momento a função das amigas é vital: ouvir todas as lástimas da moça, apoiando-a incondicionalmente (afinal, são amigas, oras!) e ajudando-a xingar e a livrar-se de toda a sombra do relacionamento. É ele é que é o maldito, o cretino e que nunca me amou de verdade. Claro! Se não deu certo é porque ele não me amou. Afinal, é lógico: quem ama nunca comete erros! Nunca falha! E infelizmente eu vejo que é muito comum uma garota não tomar a coragem de olhar para si mesma num momento como esse. Especialmente aquelas que estão muito acostumadas a terem sempre uma visão positiva de si próprias.



Erich Fromm é muito feliz quando escreve (em seu livro "Arte de Amar") que nenhum empreendimento humano é tão flagrantemente fracassado, sem que as pessoas tomem qualquer atitude madura e honesta para verdadeiramente aprender a lidar com tais fracassos, mas, ao invés disso, tendem a repeti-los (muitas vezes a vida toda), sem senso crítico nenhum.

O Amor é uma das palavras mais repetidas de nosso quotidiano. O que provavelmente é um sintoma de seu completo esvaziamento de sentido e banalização. Talvez só a palavra "coisa" e o verbo "negoçar" em nosso idioma experimenta esvaziamento de significado comparável. Ouço as pessoas dizerem e falarem em "amor" e fico com aquela sensação de xícara de chantily sem café nenhum dentro. Cada um pensa o que quer, cita a palavra amor e quem a ouvir, ouve também o que quiser. E tudo está lindo! E andando muito bem, obrigado! Pois as idealizações recíprocas ainda não sofreram as provações que verdadeiramente testam e que exigem duramente os ajustes finos que palavras vagas não podem mais satisfazer.

Creio também ter sido muito bem observado por Robert Johnson a questão de que alguns idiomas são mais detalhistas na descrição dos sentimentos humanos do que o nosso. O Português possui "Amor", o alemão possui "Lieb", o inglês "Love". Mas outras línguas possuem mais palavras. O Grego Clássico, possuiria quatro... O Sânscrito, segundo ele, possuiria 92 palavras para descrever o vocábulo "Love".

Nesse sentido, da agravamento da pobreza da Língua e do Vocabulário, Jean Lauand, em seu texto sobre a Acídia, cita uma passagem do filósofo espanhol Julían Marías:

Há uma coisa que me preocupa, e já o disse muitas vezes. Que, enquanto o vocabulário de uma área particular, de um campo profissional técnico, de um ambiente específico, na agricultura, por exemplo, ou na pecuária — enquanto esses vocabulários específicos possuem uma riqueza enorme, tudo o que um homem pode sentir por outra pessoa resume-se — em todas as línguas que conheço — a meia dúzia de palavras. Algumas positivas, como "amizade", "amor", "ternura", "simpatia", "carinho", e outras tantas negativas. Parece-me muito restrito. Eu tenho quatro filhos, já adultos, e os amo de quatro maneiras diferentes. Há uma variedade imensa do amor, e a língua não reflete essa variedade. É uma limitação esquisita. Talvez devida a uma certa desatenção pelos sentimentos, pelos conteúdos anímicos, em contraste com a refinada atenção dedicada às técnicas da agricultura, da medicina... E às mil maneiras de dar um chute numa bola! E isso porque há um interesse especial. Muitas pessoas gostam de futebol e precisam distinguir os diferentes matizes dessa atividade. E, em contraste, o que uma pessoa sente por outra — e é algo mais difícil, sem dúvida — não desperta tanto interesse. Eu fico muito perplexo com este fato.



Nelson Rodrigues definitivamente me escandaliza, mas apenas adianto que tenho aprendido muito com ele ultimamente. Com ele e com os óculos de uma personagem tão querida, que aliás, nem é pesonagem dele. Mas comentarei isso outro dia.

abraços fraternos!

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