Tuesday, December 09, 2008

Questão Indígena em Roraima.

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Estou com a Folha de S. Paulo de hoje (terça) aqui na minha mão. A matéria de capa, falando das Bolsas e a foto de primeira página falando do povo daquela cultura que, supostamente, não utiliza dinheiro: os povos indígenas, nesse caso, de Roraima.

Aliás, pouca gente sabe, mas em Língua Tupi (que vale esclarecer: não é a língua de Roraima), por exemplo, não existe o verbo "ter" (que acho que vem do "Tenere" do Latim) como na nossa ou o verbo "to have" ou "Avoir" do Inglês e do Francês. Já nas línguas indígenas de Roraima, não, não faço idéia como é. Mas os índios ali estão mobilizadíssimos com a questão da demarcação de terras.

Achei a matéria pouco profunda talvez, mas talvez fosse difícil aprofundar o assunto, sem se posicionar e acho que o editorial da Folha prefere não ter um posicionamento explícito, principalmente nesses casos. Havia subtítulos na matéria como "Polêmica", etc. Acho que seria possível o aprofundamento com levantamento histórico do conflito. É quase impossível entendermos verdadeiramente um conflito político sem termos uma contextualização histórica dele. Mas, pelo o que eu tenho visto, isso não parece ser entendido como jornalismo. Mas também, preciso fazer (alguma) justiça: havia alguma historização, a matéria falava da homologação das demarcações de terras pelo presidente Lula em 2005. Bem, acho que isso era o mínimo. De qualquer forma, fico feliz em ver os indígenas na capa do jornal.

Um prefeito local e arrozeiro diz que “irá receber índios à bala”, uma declaração bastante curiosa a ser dada por um “prefeito” em um caso que está no Supremo Tribunal Federal. É realmente curioso pensar nessa relação entre “justiça” e esses modos, digamos assim... aham (pigarro)... “civilizados” a ser expresso por um prefeito.

A matéria não me foi suficiente para entender a questão de “demarcação contínua” (reservas restritas apenas aos índios) e “demarcação não-contínua” com reservas indígenas ilhadas e os brancos convivendo entre essas ilhas. Não me sinto habilitado a julgar entre um e outro. Mas vejo com olhar muito suspeito esses que defendem “convívio entre brancos e índios”. Pois minha pergunta é... Tá, convívio... mas quem iria dominar quem? Acho que os índios brasileiros devem ter o máximo de autonomia possível.


Foto de Rosa Gauditano

Há uma bela passagem sobre isso, nos arquivos da Folha Online, de uma entrevista de um dos maiores antropólogos do século XX, o francês (e que conhece bem o Brasil) Claude Lévi-Strauss:

FOLHA - Hoje, no Brasil, há um problema grave quanto à demarcação das terras indígenas. Há massacres de índios, como os ianomâmis. Há um conflito de interesses entre índios, militares, garimpeiros. Ao mesmo tempo, toda a sociedade brasileira está em estado de guerra civil. A polícia mata cidadãos a sangue-frio, em suas próprias casas. Como defender a questão dos índios nesse contexto? Por que eles devem ter status privilegiado em relação ao resto da sociedade?

LÉVI-STRAUSS: São problemas para os brasileiros. Dizer que demarcar as terras dos índios é lhes dar um direito excepcional me parece completamente contrário à realidade. Só há um meio de tentar remediar o enorme mal que lhes foi feito no momento da colonização, quando foram exterminados por meios diretos ou indiretos. É preciso lhes devolver uma parte, ainda que pequena, do que foi o território deles, isto é, a totalidade do continente. Se eu tivesse o poder, devolveria aos índios o máximo que pudesse. Mas, ao mesmo tempo, reconheço que, do ponto de vista brasileiro, há problemas. Trata-se de um grande país, que tende a se modernizar até o seu interior mais profundo. Não tenho também argumentos decisivos a propor.


Há quem diga que tais índios estão sendo dominados pelos EUA (com supostos interesses econômicos, pedras preciosas, etc.) e que, por eles estarem em região de fronteira, isso ameaça a soberania nacional. Tenho visto muito esse tipo de discurso na boca dos universitários, mas não sei até onde isso é verdade. Mas sem dúvida, eu sei que há cristãos estadunidenses catequizando os índios, trazendo-lhes pobreza (que só existe no mundo capitalista) e miséria, alcoolismo, vícios... depois culpam o demônio por isso e os convertem. A esse respeito, eu pude ouvir pessoalmente a antropóloga Betty Mindlin falar das igrejas encrustradas bem no meio das tribos alterando a cultura e a convivência desses povos profundamente em questão de poucas décadas (que ela mesma testemunhou - anos 70, 80 e 90 - e nos contou), com pastores convencendo os pajés a enterrarem seus cajados e que sua sabedoria é coisa do diabo. É uma realidade triste, de qualquer maneira, pois tudo isso apenas mostra que os índios vivem 500 anos de massacre, molestação cultural, genocídio... e claro, isso descaracteriza seus modos de viver, assimilando a nossa pobreza, e depois ainda sofrem preconceito por isso.

O próprio Lévi-Strauss acredita (de forma natural) no desaparecimento dessas culturas. O que seria uma tristeza, sem dúvida. Mas a questão central é: respeitar tais culturas enquanto elas existirem e tomarmos consciência delas enquanto patrimônio cultural agora e no futuro.

LÉVI-STRAUSS: (...) Quando todos os povos exóticos que a antropologia estuda tiverem desaparecido - não fisicamente, mas a partir do momento em que entrarem no curso da civilização mundial, forem assimilados -, teremos em relação a eles um ponto de vista equivalente ao que mantemos hoje com a civilização egípcia, os gregos ou os romanos. Trabalharemos sobre documentos. A massa de documentos antropológicos existente e ainda virgem é absolutamente fabulosa. Há material para vários séculos de estudo.


Vejo no modo de viver dos índios, uma grande vantagem em relação a nossa: eles vivem (ou viveram um dia, o verbo deve estar no passado, para a maioria deles, tanto os que foram extintos, como os que tiveram que se "embranquecer"...) em harmonia com a natureza. De fato, eu às vezes sinto que várias catástrofes climáticas que estamos vivendo hoje é fruto de nossa arrogância tecnológica, nós achamos chiquérrimo ficar apertando botõezinhos estúpidos. Em algumas ocasiões, Einstein declarou sua preocupação com o fato de que a ciência estava progredindo muito, enquanto o ser humano não progredia nada. "Somos capazes de quebrar um átomo. Mas não somos capazes de quebrar um preconceito.", dizia ele.

Já me disseram que Lévi-Strauss teria declarado sua crença no fato de que esse mundo começou sem a espécie humana e também deverá terminar sem ela.

LÉVI-STRAUSS(...): Se tivesse que tomar posições ecológicas, diria que o que me interessa são as plantas e os animais - e danem-se os homens. É óbvio que se trata de uma posição indefensável. Por isso, guardo-a para mim.





Recentemente essa Obra foi saqueada da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.................."Cabocle Indien Civilisé" Gravura Aquarelada 49,2cm x 59,4cm do pintor francês Jean Baptiste Debret, que esteve no Brasil entre 1816 e 1831.


Para quem quiser ler a entrevista da Folha com Lévi-Strauss, na íntegra eis o endereço:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u471632.shtml


E o endereço para algumas matérias sobre os indígenas:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u477188.shtml



E o endereço (esse narrando os aspectos mais interessantes dos índios) de uma entrevista com Betty Mindlin:

http://www.record.com.br/entrevista.asp?entrevista=42

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